segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

"Não estou com pena de mim. Ta tudo bem. Tenho tomado banho, cortado as unhas, escovado os dentes, bebido leite. Meu coração continua batendo - taquicárdico, como sempre. Dá licença, Bob Dylan: it’s all right man, I’m just bleeding. Ta limpo. Sem ironias. Sem engano. Amanhã, depois, acontece de novo, não fecho nada, não fechamos nada, continuamos vivos e atrás da felicidade, a próxima vez vai ser ainda quem sabe mais celestial que desta, mais infernal também, pode ser, deixa pintar. Se tiver aprendido lições (amor é pedagógico?), até aproveito e não faço tanta besteira. Mas acho que amor não é cursinho pré-vestibular. Ninguém encontra seu nome no listão dos aprovados. A gente só fica assim. Parado olhando a medida do Bonfim no pulso esquerdo, lado do coração e pensando, pois é, vejam só, não me valeu." (Caio Fernando Abreu)

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

História Verídica

Um senhor deixa cair ao chão os óculos, que fazem um barulho terrível ao bater nos ladrilhos. O senhor se abaixa aflitíssimo porque as lentes dos óculos custam muito caro, mas descobre assombrado que por milagre elas não se quebraram.

Agora esse senhor sente-se profundamente grato, e compreende que o acontecimento vale por uma advertência amistosa, de maneira que se dirige a uma ótica e compra logo um estojo de couro acolchoado, com proteção dupla, como precaução. Uma hora depois deixa cair o estojo e ao abaixar-se sem maior preocupação verifica que os óculos viraram farelo. Esse senhor leva tempo para compreender que os desígnios da Providência são insondáveis e que na realidade o milagre aconteceu agora. (Júlio Cortázar, Histórias de Cronópios e Famas)

quarta-feira, 21 de julho de 2010

De manhã.

Como a vida é contraditória. Hoje cedo passei pela esquina rapidamente de carro e condenei os pobres homens que às seis da manhã já bebiam doses de cachaça, ignorando a fragilidade matinal dos ossos e das cordas vocais.
Cheguei no trabalho e ouvi um poema do velho Paulo Autran incorporando o mais velho ainda Álvaro de Campos. “grandes são os desertos e tudo é deserto.”
Ah, fragilidade matinal da alma.... essa não deveria ser ignorada.
Não há respeito próprio quando se abre a vida para Pessoa.
E eu começo a pensar que
Certas doses só deveriam ser servidas após o meio dia.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Toda noite de sábado era assim: Abriam uma garrafa de vinho, esgotavam-na até a última gota... ouviam os batimentos cardíacos acelerando ao toque dos lábios. Lamentavam não poder viver para sempre.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Eu quero um quarto escuro, Jimi Hendrix, um cigarro e uma moleza... que é pra desencarnar essa angústia de viver sem ter por quê. Por favor, leave me alone...eu já tenho muito enredo pra inventar aqui dentro. Tenho muito estômago pra alimentar. Eu sou um prato para se comer sozinho.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

A fila não anda

... seria profundamente amoral não esperar pela morte como todos os seres no mundo o fazem, assim como não é bem visto furar filas no mercado.
Todos têm a sua vez de passar pela caixa registradora. Todos terão o seu momento glorioso de pagar a própria conta, um dia. O problema é que a partir do momento que se toma consciência de estar na fila, por ordem de chegada, para a morte, não se pode adquirir mais muitos bens para engrossar a compra. No máximo, enche-se o carrinho com algumas guloseimas que engordam e provocam cáries. Não existem grandes aquisições nas filas dos mercados. Fazer compras então deixa de ser um passeio para se tornar uma espera. Uma eternidade de espera.. mi-nu-to a mi-nu-to... Mas mesmo assim, os que furam as filas são covardes...
Se ao menos houvesse um caixa preferencial para quem adquiriu poucos volumes da vida!
Esse chiclete é realmente ácido...
- Próximo!

segunda-feira, 24 de maio de 2010

aMarte

E onde quer que
você esteja
Em Marte ou
embaixo da mesa
de algum bar.
amar será o teu destino.