segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Das formas de se tornar apático.

Quando o tapa vem na cara, dói. E hoje o tapa veio como um tropeção, com direito a cair de quatro em plena avenida Paulista. Uma senhora de mais de 70 anos. Eu estava no meu caminho de toda manhã em direção ao ponto de ônibus quando ela, saindo da estação Brigadeiro do metrô se esborrachou no chão.
Toda bem vestidinha, uma típica senhora vó da classe média, bom coração, quase angelical.
Bem do meu lado. A cena foi impressionante, não só pelo tombo cinematográfico mas pela ajuda desesperada dos pedestres que estavam ao lado dela. E eu, como ando com a cabeça em Marte, não consegui me movimentar. Vieram umas 5, 6 pessoas ajudar a pobre. Fiquei ainda um pouco para ver se estava tudo bem, mas a expressão de vergonha e susto da senhora sem dentadura e a piedade generalizada em volta dela me cortaram o coração.
Fui embora com o coração sangrando. Todos os sentimentos altruistas e familiares vieram à tona. Mal consegui prosseguir no meio da selva troglodita de pessoas ainda meio zumbis, que é a Avenida Paulista as 8 da manhã. “Podia ser minha avó. “.

Bom, agora você deve estar esperando um texto cheio de espírito natalino e boas ações, mas não, o tapa na cara não foi o tombo da velhinha, o soco violento veio quando na quadra seguinte um mendigo pedia atenção das pessoas, que o ignoravam à plena luz do dia. Isso me fez me sentir mais idiota ainda. Porque diabos a velhinha me comoveu tanto e o mendigo não? Porque poderia ser minha vó.
Está vendo como o amor altruista é uma piada?
Ninguém aqui precisa ficar repetindo o que todo mundo já sabe, vivemos num sistema excludente, que massacra algumas pessoas e privilegia outras.
Mas enfim, aqui no nosso país não existe pena de morte, por pura covardia. Ninguém aqui tem coragem de assumir: aqui nós matamos. Não, aqui prepondera a política do “deixa morrer”. Eu, você e sua avó velhinha bonitinha matamos pessoas. Não praticamos o aborto mas matamos as crianças de fome, ou assassinadas nas ruas. Aqui a morte é suave para os olhos, assim como o mendigo na rua. Um tipo de exercício de poder que visa a aniquilação do outro sem se comprometer com ela. Se por um lado Marx tinha razão quando falava que a ignorância traz a indiferença, por outro lado existe uma morte cristalizada na nossa realidade, que nos leva a olhar um semi cadáver na rua e pensar em como precisamos malhar mais glúteos.
A política da morte. A forma talvez mais cruel de apatia, porque antes pela ignorância que pela banalização do absurdo.
Prostitutas, mendigos, a menina da revista pornô, o negro que vende massageador no semáforo, o viado soropositivo da rua Augusta, todos eles descartáveis. Estupros, assassinatos, fome, doença, genocídios, e nada nos toca.
Agora, o que me faz talvez comemorar, e quando falo isso é bem ironicamente, é que talvez você e eu também possamos ser descartáveis algum dia. Talvez você não pareça neto nem avó de alguém. Cuidado: a política da morte pode te pegar na esquina.
Eu não quero propor uma revolução, mudar o mundo, utopias de botequim... eu não sei qual a solução, eu só proponho um olhar, aquele de olhos nos olhos, que acaba com a distância que massacra, que abre caminho para diálogo e para o amor. Você e eu somos responsáveis.

3 comentários:

Victor Meira disse...

É quase um lugar-comum essa enorme dor que as moças sentem pelo mundo. Esse sentimento arrebatador - apaixonado, intenso, sofrido - de injustiça. Mas o papo sempre termina fugindo de uma proposta, ou de uma ação. Aí a toda a constatação vira um convite ao masoquismo, ao sacrifício sem fundo.

O que o mendigo dizia?

Juliana Rebelo Marques disse...

xLegal que você comentou. Aqui é um espaço livre para opiniões. Só uma coisa: Eu acho que esse tipo de comentário sexista é obsoleto e felizmente raro de se encontrar hoje em dia, achar que porque sou mulher sou balzaquiana é fechar as coisas de forma muito feia, percebe?
Como eu disse no texto, eu não tenho uma proposta de Revolução, pelo menos por enquanto. Eu prefiro calar que falar besteira. A única coisa que eu sei é que eu acredito no amor como forma de mudança. E isso é bem prático. Comente mais.
Beijos

Anônimo disse...

Quando a gnt anda na rua olhando de verdade, leva um tapa a cada quarteirao. A cidade pra gente e um recorte abstrato, o todo e irreconhecivel, imperceptivel. Esse recorte e o que parece nossa vida, nossos pensamentos os rostos familiares, ou aqueles q podem ser. E uma fuga que em algumas horas fica clara. Lendo senti do imediata da velhinha e nao consigo do mendigo.