terça-feira, 30 de março de 2010

Eu tirando tudo das prateleiras, das gavetas,e dos olhos e você com seus ratos imundos pulando, subindo por minhas pernas, querendo comer meu ventre com dentinhos podres.
Eu tentando fechar a porta da sala exatamente na sua cabeça peluda e suas unhas sujas de esgoto atravessando as frestas, apertando meus tornozelos fincados no chão.
Você sabe que é pesadelo, e eu tenho sono... sei que você me aguarda quando eu vacilar... é natural você me arruinar. Você sou eu.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Mão na massa

Eu quero por a minha mão na tua massa
Comigo é bem ao pé da letra, moça:
As figuras de linguagem
eu crio no meio das tuas coxas.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Todos os segredos do mundo vêm do entardecer, e de para onde o sol vai quando desce pelo azul.

O Passado


"Ninguém se separa, Rímini. As pessoas se abandonam. Essa é a verdade, a verdade verdadeira. O amor pode até ser recíproco, mas o fim do amor não, nunca. Os siameses se separam. Mas não se separam, tampouco: porque sozinhos não conseguem. Um terceiro precisa separá-los: um cirurgião, que corta pelo meio o órgão ou o membro ou a membrana que os une com um bisturi e derrama sangue e na maioria das vezes, diga-se de passagem, mata, mata um deles, pelo menos, e condena o outro, o sobrevivente, a uma espécie de luto eterno, porque a parte do corpo pela qual estava unido ao outro fica sensibilizada e dói, dói sempre, e se encarrega de lembrá-lo, sempre, de que não está nem nunca vai estar completo, que isso que lhe tiraram nunca mais poderá ter de novo." O Passado

quarta-feira, 17 de março de 2010

Dueto - de Bruna Costa

Eu queria ser duas. Assim, uma de cada jeito. Pra pintar o cabelo de vermelho e deixar o outro castanho, pra deixar as unhas compridas e brincar de femme fatale e roe-las até não dar mais. Não, na verdade eu queria pra andar cheia de imperfeições sem ligar a mínima, e sair como uma diva de clássicos do cinema. Queria usar chinelo e salto alto, queria usar batom vermelho e manteiga de cacau, queria andar de carro-preto-vidro-preto e de ônibus todo dia. Queria me torrar no sol e passar pó para parecer mais branca.
Queria me embebedar e tomar champagne com toda a classe, viver pelos dias em frente ao mar e morrer de frio diante do fondue. Ser uma coroa elegante e uma vovó toda tatuada. Ser dançarina e publicitária, aprender espanhol e francês, idolatrar sevilla e paris. Ir em um show de blues e um de rock, saber contar piada e não conseguir dar gargalhada. Me entupir de chocolate e aderir à dieta. Gostar de novela e odiar clichês, amar o moderno e morrer de paixão pelo antigo. Queria ler contos eróticos e poesias de Drummond.

terça-feira, 16 de março de 2010

Roupa de baixo

Chegou em casa arrancando as roupas numa agonia de morte, chutou os sapatos nas paredes, arranhou a pele branca a fim de se livrar daquele peso, entrou no chuveiro aos gritos e se ensaboou até a exaustão sangüinea lhe escorrer pelas pernas.
Nunca mais conseguirei me ver nua, tem uma roupa de gala impregnada na minha pele. Um vestido de veludo preto tapava-lhe o corpo até os joelhos, que a essa altura, eram só hematomas acumulados de dias de guerra no chuveiro.
Mal podia se lembrar como eram os próprios seios. A cada dia que passava, a lembrança de seu corpo ficava mais distante, como a única foto de um grande amor defunto que começa a mofar nos cantos. Ela começava a mofar dentro daquele veludo. Ela não respirava a alguns meses.
Como foi que isso veio parar em mim, eu não lembro de ter ido a nenhuma festa, nem de ter experimentado roupas desse tipo. “Este é o labirinto de Creta. Este é o labirinto de Creta cujo centro foi o Minotauro.” Talvez por baixo daquele vestido existisse um Minotauro esperando para devorar quem conseguisse desnudá-lo.

Chegou em casa arrancando as roupas numa agonia de morte.

*BORGES, Jorge Luis - Labirinto.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Täuschung

Você era um idioma exótico, provocativamente oriental, com aqueles acentos esquisitos que achamos tão fascinantes porque não conseguimos pronunciar.
Mas um dia a gente aprende...
Perdeu o último ônibus, perdeu o show dos Rolling Stones, perdeu a pulseira de pérolas, perdeu a chance de dizer que o queria aquela noite. Cada perda sua, tão dolorosamente sua, desenhava aquele sorriso triste de ano novo. Vestiu-se de branco e foi juntar as águas salgadas com o mar.
E Deus disse: Haja felicidade! E o vento levantou as saias de todas as mulheres do mundo.

ama-me.

Então, quando eu te ver de novo, talvez, eu olhe nos seus olhos. E se você não se esquivar como sempre faz, talvez eu diga que te amo.
E talvez nós protagonizemos alguma cena de Almodóvar, uma cena nunca vista, e que nunca será produzida, porque ele não nos conhece.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Tamanho e documentos

Por que as coisas infinitas do universo se deixam caber em tão poucas letras? Vide sol, mar e luz. São tão sábias que escorrem majestade em se apequenar. Por outro lado, algumas pobres sucumbem sozinhas no salto para a fama. Oh ingênua humanidade.